11.2.07

O primeiro Cine-Disco

Publicado no Natal de 1968, o primeiro número da nova revista quinzenal, dirigida por Artur Alves, editada por Manuel Joaquim Dias, da Agência Portuguesa de Revistas, era de grafismo cuidado, da responsabilidade de Carlos Alberto e com Mário Costa na redacção. Na nota de abertura, mencionava-se o facto de se dar voz a três indivíduos escolhidos para dizerem o que era para eles, o mundo moderno.
Ramiro Fonseca, médico e autor de programa de televisão; Mário Castrim, crítico de tv no jornal Diário de Lisboa e Sansão Coelho, jovem universitário, redactor de um jornal académico.
Ora, os jovens de então, em quem Mário Castrim depositava tanta esperança, são hoje os pais da nova juventude.
Que mundo prevêem os jovens de hoje, por referência aos de ontem?
A música deixou de ser referencial de contestação. A leitura abrandou e não é sinal distintivo de novas intelectualidades.
Em finais de 1968, após o mês de Maio em França e após a saída do LP branco dos Beatles e a contestação da guerra no Vietnam, o que se passava cá, em Portugal, noticiado por uma revista do mundo moderno?

O nº 2, trazia um inquérito nas discotecas, como dantes se chamavam as lojas de venda de discos, a empregados da Valentim de Carvalho, Melodia, Solidó e Roma, a propósito da música que mais vendia: mais de 75% estrangeira e pop.
Entre a nacional, os êxitos de vendas ficavam por Amália, com Corações; o Quarteto 1111 e as canções Perspectiva e Dona Vitória; Carlos Paredes e Romance nº 2 e ainda António Calvário com Olhos de veludo, finalizando com Tonicha e Esperei.
Lá por fora, a música que se vendia por cá, era de Mary Hopkin, Beatles ( Hey Jude), José Feliciano( Light my fire), Roberto Carlos ( eu te amo) e os Mammas anda Papas com Dream a little dream of me.
Em Janeiro de 1969, o nº 3 da revista continuou a apresentar o hit parade das vendas de música. No número 5, com capa consegrada aos Beatles, apresentam-se os 10 melhores LP´s de 1968, segundo a classificação do programa de rádio Em Órbita, da autoria de Jorge Gil.
Seis responsáveis do programa escolheram entre 300 gravações do ano e colocaram em primeiro lugar, a canção de Simon & Garfunkel, Mrs. Robinson, seguida de Uknown Soldier dos Doors e the Mighty Queen do Manfred Mann e ainda Tuesday Afternoon dos Moody Blues.
No capítulo dos álbuns, em primeiro vinham os Moody Blues e o LP In searching of the lost chord; a seguir, os Beatles com o branco do mesmo nome. Depois, Donovan e A gift from a flower to a garden e logo depois o LP Bookends de Simon & Garfunkel.
Nas duas páginas centrais, sob uma imagem dos Beatles, uma tradução livre, de Dórdio Guimarães, de uma das canções do grupo: Lady Madona. Vale a pena transcrever.

Como cor-de-rosa pele à quinta feira
Dedos dos pés rebrilham um suor de pérola
Com lantejoulas leite um olfacto que da gola
Vem de arminhos no ar coágulos de quem os queira.

Framboesa morango cereja
Ele a caça
Jacinto papoila narceja ela dança

Ó dona de carne
Que de má já o danado dono aleija
Teu lanho tenho
De liga preta já outro olhar adeja
Vermelha vermelha tanta mulher
-Seja.

10.2.07

O mundo moderno em revista

Uma das coisas que sempre me interessaram, foram capas de revistas. Quero dizer, a composição das capas, com o tipo de letra associado e a organização gráfica dos títulos, subtítulos e imagens.

Desde muito novo, as capas fascinantes de revistas anódinas ou relevantes, tiveram sobre mim um efeito seguro: vontade de coleccionar, para admirar as letras, imagens e arte figurada, a cores ou preto e branco.

Entre as primeiras revistas que me chegaram às mãos, até pelo carteiro que as entregava, pode muito bem ter sido esta que o meu pai lia, por gosto de profissão.
O Mundo Motorizado, todos os meses chegava em capas coloridas em monocromia e será talvez uma das primeiras imagens em papel que me chega agora, pelos caminhos da memória.

Nos anos seguintes, e ainda em plena década de sessenta, as capas que me captavam a atenção, para além dos livros escolares, eram de revistas dedicadas a aventuras desenhadas.


A Audácia, revista editada pelos missionários combonianos e publicada desde Novembro de 1966, é seguramente, uma dessas. Impressa em formato de metade de A4, para dizer melhor do que A5, sem cor, trazia aventuras de outras terras, por exemplo África, onde nunca estive.
Por esse tempo, outras aventuras de outros heróis desenhados, interessavam-me tanto ou mais que os relatos de Emilio Salgari ou dos Sete e dos Cinco.
As pequenas revistas bi-cromáticas da Agências Portuguesa de Revistas, com nomes de fantasia como Condor, FBI ou Texas Jack acabaram por dirigir a atenção para outros interesses: as histórias da II Guerra Mundial, a espionagem e os livritos policiais e ainda as histórias do Far-West americano.
No final dos sessenta em Portugal, a par da música pop, anglo-saxónica, em expansão mundial, apareceu uma revista esquecida e de cariz popular que integrava desenho, grafismo inovador e ideias novas para o Portugal ainda salazarista e recolhido do mundo:
O Mundo Moderno, começou como Cine-Disco.

A imagem da Audácia foi copiada daqui. Obrigado, Geraldes Lino.